Impactos da COVID-19 no Setor de Tecnologia e Inovação

05/08/2020 | Artigo


Em todo o mundo, a curva de contágio da COVID-19 preocupa os governantes e as autoridades de saúde. Sem vacina nem medicamentos de eficácia comprovada, a doença vem sendo combatida com ações de prevenção, como o distanciamento social. Dados da agência AFP estimam que já no final de março – mês em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou alerta de pandemia –, cerca de 3,38 bilhões de pessoas estavam algum regime de isolamento, chegando ao bloqueio total (lockdown) em regiões com surtos mais graves.

 

Neste cenário, a internet, a tecnologia mobile, a computação em nuvem e a inteligência artificial cumprem, mais do que nunca, diversas funções sociais. Nos hospitais, são uma ponte entre os pacientes internados e suas famílias. No âmbito governamental, auxiliam no monitoramento seguro e preciso da saúde coletiva. No meio corporativo, garantem o teletrabalho, o fluxo de informações e negócios. E nas casas, são facilitadores essenciais do bem-estar e do convívio entre as pessoas, aproximando os confinados e inserindo-os virtualmente no mundo.

 

Por impactar o cotidiano de forma integral, a COVID-19 trouxe consequências importantes para o mercado de tecnologia e inovação. Os cálculos da plataforma de dados Statista projetavam, em fevereiro de 2020, um crescimento de 3% para o setor em relação a 2019. Em março, porém, o contexto da pandemia levou ao ajuste do índice para 2% – cogitando, no cenário mais pessimista, uma queda de 2% no crescimento em comparação ao ano passado. 

 

Os números refletem os insights mais gerais sobre a situação até o momento. O primeiro é de que a demanda por recursos tecnológicos e digitais não necessariamente manifesta uma tendência de alta, mas de modificação nos hábitos de uso e de consumo. O segundo é de que as chances de o setor se recuperar rapidamente residem, justamente, na sua capacidade de inovar – tanto no modo de produção quanto nos modelos de negócio e na gestão estratégica.

 

Detalhamos a seguir os principais desafios que a COVID-19 vem colocando ao setor de tecnologia e inovação, apresentando também as oportunidades de serviços e frentes em expansão. Continue lendo e saiba o que empresas e profissionais da área podem esperar.

Impactos negativos no setor produtivo e de inovação

 

No setor de tecnologia e inovação, as principais dificuldades impostas pela pandemia decorrem de limitações de transporte e logística, além da paralisação das atividades industriais.

A China, um dos principais mercados de bens eletrônicos, foi o primeiro epicentro da COVID-19, adotando medidas de isolamento social já na metade de fevereiro. O fechamento de plantas manufatureiras, fronteiras, portos e do espaço aéreo repercutiu sobre a cadeia mundial de suprimentos, ocasionando a falta de matérias-primas, componentes, bens de produção e mercadorias

Empresas que dependiam da importação desses itens sentiram rapidamente o baque do lockdown. A Apple, por exemplo, já avalia uma redução mínima de 10% em market share pelo esgotamento de produtos disponíveis. Somente na indústria de smartphones, a consultoria PwC calcula um encolhimento de 12% YoY no primeiro quarter de 2020, e a Gartner, uma queda de 20% nas vendas durante o mesmo período.

Somando-se aos entraves de produção, as restrições no comércio e nas viagens internacionais impediram a realização de centenas de feiras e conferências de tecnologia. Embora algumas tenham sido transferidas para o ambiente online, o mercado de inovação estima a perda aproximada de US$ 1 bilhão pelo cancelamento de eventos, estes importantes espaços de negociação. Disso se espera um atraso significativo no lançamento de novos produtos, agravando a crise econômica no setor. 

Com a retomada gradual das atividades industriais, o ritmo de produção não será o mesmo pelos próximos meses. A curto prazo, além da redução nas vendas, os fabricantes e varejistas podem se ver às voltas com a demanda crescente por monitores, notebooks e outros dispositivos móveis, baterias e periféricos (mouses, teclados, webcams, headsets, entre outros). Com o confinamento, muitos consumidores têm demonstrado interesse nesses artigos para equipar seu escritório em casa – tendência mundial que despontou no Brasil em março.

O recuo nas receitas levará a cortes inevitáveis de orçamento, e as empresas terão de rever suas estratégias para operar de forma sustentável. Os planos de contratação e carreira podem sofrer – mas, ao mesmo tempo, reter talentos de engenharia, programação e atendimento será essencial para absorver a nova demanda por serviços de tecnologia.

Oportunidades no mercado de software e streaming

 

Se, por um lado, a indústria de hardware vê os gargalos produtivos se intensificarem, por outro, o desenvolvimento de aplicativos e plataformas online ganha cada vez mais tração

A adesão ao trabalho remoto e à educação à distância – somada ao distanciamento de familiares e amigos – aumentou a procura por ferramentas de teleconferência e streaming, além do tráfego em redes sociais, plataformas de compartilhamento de dados e gerenciamento de equipes. Análises preliminares apostam na continuidade desses fenômenos após a pandemia, e na probabilidade dos softwares e da computação em nuvem liderarem a retomada do mercado digital.

Os principais players do setor se mantêm cautelosos quanto ao futuro próximo. O Facebook – que registrou em março um incremento de mais de 50% nos acessos ao Messenger, WhatsApp e Instagram – observa que seus produtos mais procurados não são os mais fáceis de monetizar. Ao final do primeiro quarter do ano, a demanda de anúncios nas plataformas da empresa caiu de forma expressiva, afetando por tabela o preço da publicidade. 

O Google também viu seus lucros despencarem no mesmo período, e se prepara para um segundo quarter austero em termos de mídia. A Alphabet, holding que controla a empresa, divulgou que embora sua receita de vendas tenha chegado aos US$ 41 bilhões (13% a mais que em 2019), o lucro líquido subiu só 1,5%. 

A retenção de custos será necessária para contornar a situação – bem como o foco em produtos alinhados com o “novo normal”, como o G Suite e o Google Shopping. Em maio, a empresa permitiu que pequenos negócios cadastrassem seu catálogo gratuitamente na plataforma Merchant Center, e avaliará o potencial da decisão para gerar receita de anúncios. 

Ambas as empresas estão investindo em videochamadas: o Google com a plataforma Meet, incorporada ao G Suite, e o Facebook com os Messenger Rooms, novidade que reúne até 50 usuários simultâneos. O objetivo é entrar no páreo com outros facilitadores de peso, como a Microsoft e a Zoom. Desde o início da pandemia, a Microsoft registrou um aumento médio de 70% nos acessos diários ao Skype. A Zoom anunciou no início de junho o crescimento de 169% na receita da empresa – que, no entanto, foi acompanhado de investimentos elevados em cloud computing.

Mais tendências em tecnologia e inovação

 

Das adaptações motivadas pela COVID-19, o trabalho remoto e a educação à distância estão entre os principais fenômenos. Mas diversas outras atividades se modificaram pelo uso da internet e de tecnologias digitais, assumindo novas dinâmicas e agilizando mudanças que já se anunciavam. 

Confira mais cinco tendências em ascensão no setor, conforme o mapeamento do Fórum Mundial Econômico:

 

  • Telessaúde

Para garantir a disponibilidade e segurança dos profissionais de saúde, a inteligência artificial é indispensável. Antes mesmo da pandemia, dados da American Health Association indicavam que 33% das funções de cuidado desempenhadas por clínicos e técnicos poderiam ser automatizadas. A rápida proliferação da COVID-19 realçou a necessidade de dedicar a força humana de trabalho para atividades que realmente a exigem – e facilitar o autocuidado para casos suspeitos e em quarentena.

A parceria entre governos e empresas de tecnologia agilizou o desenvolvimento de plataformas e aplicativos para auxiliar no diagnóstico, monitoramento e conscientização sobre a doença. Os dados gerados apoiam um esforço de controle e atualização da pandemia, abrangendo ainda o rastreamento de pacientes. Os resultados têm sido satisfatórios – e a recomendação de órgãos oficiais e de inteligência é de que o trabalho seja mantido, assegurando a prudência no retorno do isolamento. 

 

  • Robótica

Robôs e drones são outra frente em ascensão da inteligência artificial, desenvolvida para a patrulha, esterilização e trânsito em áreas urbanas. Além de reduzirem a exposição humana à COVID-19, as máquinas são equipadas com câmeras, sensores térmicos e de luz e tecnologias avançadas de reconhecimento facial, comunicação e machine learning. Em hospitais da Europa e da Ásia, robôs tornaram-se parte das equipes de atendimento (confira no vídeo), e os drones ajudaram no transporte de suprimentos médicos. 

 

  • Impressão 3D

A impressão 3D de respiradores e outros equipamentos de uso médico gerou controvérsias legais em função das patentes dos produtos copiados. Apesar disso, a iniciativa ilustrou as amplas possibilidades da tecnologia para conter emergências e situações de crise.

 

  • E-commerce e transações digitais

O distanciamento social movimenta uma economia própria, baseada em mecanismos digitais de pagamento. Além de impulsionar vendas seguras por plataformas de e-commerce – agregando serviços de entrega e retirada de produtos –, em alguns países, como o Brasil, aplicativos digitais facilitam o pagamento de benefícios sociais às populações mais vulneráveis.

 

  • Entretenimento online

Durante a pandemia, os consumidores têm investido em opções que tornam a vida doméstica mais agradável. Não por acaso, os videogames e as smart TVs tiveram altas repentinas nas vendas a partir de março, bem como as assinaturas de serviços de streaming, como Netflix e Spotify.

Segurança da informação e inclusão digital: o que vem por aí

 

Continuar as atividades após a pandemia requer planos resilientes das empresas. No setor de tecnologia e inovação, a familiaridade com ferramentas e modelos de teletrabalho pode agilizar o processo – mas não resolve questões como a segurança da informação, o acesso limitado aos meios digitais e os efeitos da desaceleração produtiva.

Com um fluxo ainda maior de dados em trânsito na rede, proteger e garantir a autenticidade das informações é primordial. Já existe, aqui, um espaço significativo para desenvolver soluções de cibersegurança, sobretudo para VPNs e a computação em nuvem. As estratégias mais sofisticadas de combate à COVID-19 ainda colocam questões éticas sobre privacidade na web: até que ponto os governos e empresas podem utilizar dados privados para promover a saúde pública? O papel da tecnologia neste contexto segue em aberto, e as discussões sobre proteção de dados devem se tornar mais complexas.

Os benefícios da tecnologia digital seguirão, no entanto, ao alcance das populações que puderem acessá-la. Nesse sentido, a colaboração entre governos e iniciativa privada, a necessidade de soluções open source e de conciliar produtos acessíveis com a recuperação econômica do setor surgem como pontos de atenção. Países e regiões onde a COVID-19 permanecer por mais tempo também correm o risco de serem isolados no mapa da inovação: com a retomada gradual de eventos e da logística internacional, é possível que as últimas novidades fiquem restritas (ao menos inicialmente) a locais considerados seguros, e com maior infraestrutura de saúde.

Das poucas certezas que ficam da pandemia, reiteram-se algumas que conhecemos bem: a de que a indústria de tecnologia abre caminhos para viver de outras formas e de que o uso consciente de seus recursos deve aproximar as pessoas e gerar qualidade de vida.

Autora: Stefanie Cirne