Comunicação 360° é pilar estratégico
A necessidade de ouvir e falar com os públicos em diferentes meios leva empresas a criar serviços integrados para demandas diversificadas.
Valor Econômico
December 12, 2023
De tempos em tempos um novo conceito permeia as ações das empresas. Entre os mais demandados está a comunicação 360°. Na prática, significa a gestão unificada em todos os canais (e pontos) em que a marca tem contato com seus colaboradores, clientes, fornecedores, concorrentes ou parceiros. Ao contrário do passado, o papel da comunicação corporativa não se restringe à divulgação de produtos e serviços, mas abrange a escuta do público, a construção de uma relação de longo prazo com o consumidor e o cuidado com a reputação, entregando valor e transparência.
“A mudança, que era gradativa aré meados dos anos 2000, com a comunicação compartimentada, se intensificou nos últimos anos, exigindo das agências uma transformação radical no tipo de serviço ofertado e no uso da tecnologia para trabalhar a informação”, afirma Leila Gasparindo, sócia-fundadora do Grupo Trama Reputale. A agência dobrou de tamanho e faturamento entre 2019 e 2022. Passou a ofertar serviços integrados de comunicação que englobam relações públicas, comunicação interna e endomarketing e comunicação digital.
“Ganhamos 30 novos clientes, entre eles oito grandes empresas da indústria farmacêutica e saúde, criando um núcleo especializado na área”, afirma Gasparindo. “Abrimos uma área de pesquisa e diagnóstico, que desenvolveu uma metodologia exclusiva, o Radar Employer Branding, para medir o desempenho e melhorar o posicionamento de marca empregadora”. No início de 2023, criou uma área voltada a relatórios – condutas, padrões de sustentabilidade, valores da organização, modelo de governança – e abriu um setor dedicado a relações governamentais. O caminho percorrido pela Trama é, na visão dos especialistas, uma trilha sem volta. A necessidade e o desafio da comunicação corporativa unificada em tempos de múltiplos canais, nos quais o consumidor tem voz e exige transparência das marcas, faz da comunicação um pilar estratégico, a fim de que a mensagem chegue ao público-alvo e este tenha uma experiência uniforme ao interagir com as empresas nos diferentes canais.
Segundo o estudo “A busca pela simplicidade: tendências para comunicação corporativa em 2023”, realizada pela LLYC, consultoria global de comunicação, marketing digital e assuntos públicos, as tendências que norteiam o segmento passam por quatro frentes: busca da simplicidade de fazer mais com menos recursos, potencialização política com impacto no desenvolvimento dos negócios, digitalização das relações públicas e ativismo corporativo real e atemporal.
“É preciso trabalhar experiências, dar propósito às ações de comunicação, entender os anseios do público de interesse, investir em mais criatividade nas abordagens para engajar o interlocutor, seja ele jornalista, influencer ou consumidor”, afirma Flávia Caldeira, diretora de operações da LYCC Brasil. “As empresas narram, mas não dialogam. Saber ouvir e fazer um diagnóstico é ter uma escuta ativa e, consequentemente, desenvolver uma comunicação mais assertiva.”
Ao mesmo tempo que comunicam, os canais são um catalisador de demandas. Uma das maiores consultorias estratégicas do mundo, a Bain & Company tem um time de comunicação exclusivo para ouvir as demandas dos clientes e preparar relatórios para cada perfil de indústria. “São os clientes que nos dizem o que precisam saber para a tomada de decisão”, diz Vivianne Pelegrini, diretora sênior de marketing e reputação para a América Latina. “O relatório de private equality é um exemplo desse trabalho. As empresas aguardam a publicação para tomar decisões ante as tendências.”
Para aumentar a presença nos meios digitais e estreitar o relacionamento com seus stakeholders no país, a consultoria lançou uma página no LinkedIn, que funciona como hub de conteúdo, campanhas de comunicação, estudos, temas de interesse para a sociedade e empresas, com dados exclusivos. “Além do digital, a estratégia de comunicação integrada contou com um esforço de estreitamento da relação com a imprensa por meio de encontros de relacionamento, eventos e divulgações exclusivas de dados e estudos”, diz Pelegrini.
Foi-se o tempo em que as pesquisas eram guardadas a sete chaves pelas companhias. Se antes era de fora para dentro, hoje a informação vai da empresa para o mercado e quanto for disseminada, melhor. Com mais de 230 mil contratos de aluguel assinados no Brasil e 1,4 mil negociações de compra e venda de imóveis realizados por mês, o Quinto Andar é um dos principais provedores de conteúdo da área imobiliária para o mercado. “Temos um volume de dados gigantesco, o que nos permite fomentar o mercado com informações de valor”, afirma Bruno Rossini, diretor de comunicação Brasil e América Latina. Há um ano, a startup criou uma data house, com um time multidisciplinar, com o objetivo de fazer pesquisas. “Entendemos que a informação é a nova moeda de valor, é o que move o interesse das pessoas. É um jeito diferente de trabalhar a comunicação corporativa.”
Para Sandra Turchi, coordenadora de cursos de extensão da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), um dos desafios das empresas é usar com assertividade os novos canais de comunicação. “A maioria ainda enxerga o digital como plataforma mercadológica, esquecendo a necessidade de trabalhar de maneira propositiva, e não responsiva, a reputação da marca.”
É com o objetivo de mapear todos os pontos de contato da marca com o público e apontar o que é ou não relevante para cada nicho de consumidor que a Cadastra, empresa global de estratégica de negócios, tecnologia e dados, vem ampliando sua participação tendo como foco a geração de conteúdo por parte das empresas.
“O que a Cadastra nos entrega é a tendência depurada, os pontos relevantes em saúde e bem-estar, que são nossos focos principais”, diz Eurico Antunes, gerente-executivo de digital da rede de farmácias Pague Menos. “Eles enxergam a tendência, capturam e trabalham os dados para que a internet enxergue nosso conteúdo como relevante e atinjamos o maior público possível. Isso tem um peso enorme.”
Segundo Tiago Dada, gerente de SEO e CRO da Cadastra, a busca por esse tipo de serviço tem aumentado. “É uso da tecnologia para retroalimentar a comunicação corporativa, porque os consumidores buscam mais informações não só sobre produtos, mas também sobre a reputação e comportamento das marcas.”
Para entender o canal digital como uma ferramenta importante, o grupo de educação Cogna desenvolveu dois programas de comunicação pautadas no marketing de influência, sendo um com o público interno. “Dos 25 mil colaboradores, dois são vozes da Cogna, ou seja, usam as próprias redes sociais para passar a cultura da companhia e promover comunicação orgânica”, diz Deborah Rodrigues, sócia e head de relações públicas. “Em 13 meses foram mais de 17 mil publicações. A ideia é expandir a cultura de embaixador da marca.”
Integrar colaboradores e a direção na comunicação corporativa tem sido uma estratégia adotada pelas empresas. “A necessidade de ter uma linguagem unificada nos levou a integrar todos os serviços de comunicação e conteúdo numa única agência”, afirma Mara Pinheiro, diretora de comunicação e relações institucionais da BP Bunge Bioenergia. “Aprendemos a trabalhar a partir do mesmo conteúdo de informações específicas para cada público e canal, gerando menos ruído e mais assertividade nas mensagens.” Outro ponto importante, diz ela, foi a transformação das lideranças em comunicadores por excelência, insistindo na proatividade.
Na MV, multinacional brasileira de transformação digital da saúde, a estratégica não foi diferente. “Em sinergia com a agência de relações públicas, criamos um departamento robusto de comunicação interno”, afirma Morganna Maciel da Silva, gerente de marketing e comunicação. “Nossos diretores são porta-vozes da companhia nos canais digitais, levando a cultura, o propósito e as ações da empresa para os diferentes stakeholders.” Segundo ela, o volume de informações transmitidas aumentou, porque antes eram moldadas conforme as oportunidades apresentadas na mídia. “Trata-se de uma mudança de pensamento. Não é fácil permitir que uma comunicação seja publicada sem passar pelos canais oficiais da empresa. É isso que ocorre nas redes sociais.”
Marcio Cavalieri, sócio da RPMA Comunicação, diz que o papel das agências é auxiliar as empresas a melhorar o relacionamento e a qualidade do atendimento e a construir credibilidade. “Se antes o papel da comunicação era garantir um bom posicionamento da marca, hoje o objetivo é estratégico, passa pelas premissas tradicionais e visa atingir os objetivos do negócio. Com o avanço da tecnologia, o ciclo da informação mudou, assim como a demanda de conteúdo.” A oferta de serviços de comunicação integrada, segundo ele, exige equipes multidisciplinares- incluindo analistas de dados -, produção de conteúdo on-line e off-line, monitoramento das plataformas digitais e até assessoria de imprensa. “Na RPMA, usamos a inteligência artificial (IA) generativa para melhorar a qualidade das informações e ofertar um conteúdo mais criativo e personalizado”, diz. “Não é a IA que produz o conteúdo final, mas é com a tecnologia que extraímos o que interessa com agilidade incomparável.”
Notícia publicada originalmente no Valor Econômico.